17 de mai. de 2009

O Mapa das Maravilhas


m uma de suas cartas, Monteiro Lobato fala de seu projeto de escrever um livro onde as crianças quisessem morar, experimentando o mesmo sentimento vivido por ele em sua infância na leitura de Robinson Crusoé. Não só as crianças, mas personagens das mais diversas origens do mundo das maravilhas quiseram morar em seus livros e chegaram mesmo a se mudarem para o Sitio do Picapau Amarelo.

No Sitio do Picapau Amarelo a entrada é franca para os visitantes de diferentes universos ficcionais, que se identificam e convivem no Sítio: um mundo fantástico sem fronteiras de tempo e espaço e entre a realidade e a fantasia. Feito o contato, as idas e vindas entre o mundo imaginário e o mundo real são constantes. Os mundos se interpenetram no mosaico de histórias e personagens que desperta o leitor para outras dimensões através da criatividade e do espírito crítico. O maravilhoso lobatiano constrói uma espécie de realidade paralela onde as regras do mundo real são alteradas. O sucesso imediato entre os leitores decorreu de a realidade quotidiana, comum e familiar à criança, ser súbita e naturalmente povoada pelo maravilhoso.

Uma vez no Sítio, todas as narrativas consagradas são revistas e modificadas, adaptadas ao clima e à imaginação das personagens. Assim, a Carochinha é a contadora de histórias julgadas antiquadas e bolorentas. Há uma crítica à mesmice com que a infância é tratada. As personagens querem “novidade”, “novas aventuras”. É Pedrinho quem diz: “Se Polegar fugiu é que a história está embolorada. Se a história está embolorada, temos de botá-la fora e compor outra. Há muito tempo que ando com esta idéia – fazer todos os personagens fugirem das velhas histórias para virem aqui combinar conosco outras aventuras”

Os personagens do “mundo das maravilhas” nessa obra visitam o sítio do Picapau amarelo em duas ocasiões principais: vão participar de uma grande festa e assistir a uma apresentação do "circo de escavalinho" preparada pelo pessoal do sitio, depois se mudam para lá em outra estória. No dia da festa chega mais tarde um personagem invisível, Peninha, que todos desconfiam ser Peter Pan, que mostra aos meninos o mapa do “Mundo das Maravilhas” e diz que está em toda parte. Pedrinho encontra no mapa o próprio Sítio do Picapau Amarelo, o mar dos piratas, a terra das mil e uma noites, a ilha de Robinson Crusoé, Liliput, a terra do Nunca e o castelo da bela adormecida. O país das maravilhas e a casa da Alice também estão lá, numa verdadeira cartografia intertextual.
A seguir, o diálogo entre Peninha e Pedrinho:

“– (...) O mundo das maravilhas é velhíssimo. Começou a existir quando nasceu a primeira criança e há de existir enquanto houver um velho sobre a terra.
– É fácil ir lá?
– Facílimo ou impossível. Depende. Para quem possui imaginação, é facílimo”

Mais adiante, são os personagens do Sítio que irão ao mundo dos personagens célebres da cultura universal. Peninha apresenta para Pedrinho, Narizinho, Emília e Visconde o pó de Pirlimpimpim, “o pó mais mágico que as fadas inventaram”, verdadeiro subversor de qualquer concepção racional de espaço e tempo, a ponte de intertextualidades inusitadas. É cheirando o pó que os meninos podem partir para o Mundo das Fábulas. Cheirar o Pó de Pirlimpimpim se assemelha atravessar o espelho ou penetrar na toca do coelho: desterritorialização da consciência, abertura para outras “terras” e “reinos” e diálogo com as figuras da imaginação que habitam em cada um de nós.

Se as personagens dos contos de fadas, em Reinações de Narizinho, mostraram-se insatisfeitas por viverem sempre as mesmas aventuras, quando vêm ao Sítio, em O Picapau Amarelo, têm suas experiências modificadas, subvertidas. E vieram os personagens do mundo das Fábulas. O Pequeno Polegar puxou a fila e, logo depois, Branca de Neve com os sete anões, as Princesas Rosa Branca e Rosa Vermelha, o Príncipe Codadade, com Aladim, a Sherazade, os gênios e o pessoal todo das ‘Mil e Uma Noites’. A seguir, a Menina da Capinha Vermelha, a Gata Borralheira, Peter Pan e os Meninos Perdidos da ‘Terra do Nunca’ e o Capitão Gancho com o crocodilo atrás e os piratas; e o Senhor de La Fontaine em companhia de Esopo e de todas as suas fábulas; e Barba Azul; e o Barão de Munchausen; e os personagens todos dos contos de Andersen e Grimm. Veio também D. Quixote junto de Sancho Pança, Alice e os personagens do pais das Maravilhas“Mas não vinham a passeio, não; vinham com armas e bagagens, com os castelo e palácios para morar ali toda vida”

Conto isso pra vocês em homenagem ao meu encantamento pela obra de Lobato e em especial, pelo fabuloso mapa do mundo das maravilhas. Tendo ele como inspiração, pretendo aqui cartografar pouco a pouco devaneios da fantasia, propor associações e deslocamentos fantásticos, cruzar as fronteiras entre o real e o imaginário, fabular pontes intertextuais. E ir viajando com o pó de pirlimpimpim nesse mundo maravilhoso que “está em toda parte”.

Com amor,
Adriana por enquanto

Leia o texto completo em:
http://adrianapeliano.blogspot.com/2009/01/traduo-de-as-aventuras-de-alice-no.html

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