14 de dez. de 2009

Os Chuvosos



Quando eu era pequena, sonhava em saltar da janela do avião
para brincar com os moradores do reino das nuvens.
Meu amigo Wilson Bueno me mostrou que não era sonho,
eles existem mesmo!






stes animais,
eu vos convido,
era uma vez.





Gordo e atarracado, todo
cinza, o chuvoso mora dentro
daquelas nuvens, bojudas e
carregadas, nascidas para
virarem chuva mal as rompa o
elétrico serrote de um raio.

Estão sempre se
procurando, uns aos outros, os
chuvosos, dentros das nuvens
que anunciam iminente mau
-tempo.Vivem em núcleos
chamados família.





O pai chuvoso é gordote e
calvo....

A mãe, dona chuvosa, anda
pelo interior da nuvem
batendo seus tamancões e
carregando à frente de si -
para que lhe ilumine o caminho
- um pires com uma vela
espetada no meio.

Seguem a chuvosa mãe
quase sempre quinze
chuvinhas, nunca menos
que isso...
... havendo relatos de casais de
chuvosos com até cinquenta
filhotes-chuvinha.

Mora, como já disse,
dentro da nuvem que daqui a
pouco despejará sobre nosso
telhado humilde, as suas finas
agulhas, o seu chuvaréu, sua
chuvagem e chuvação.





O maior problema no
interior das nuvens onde vivem
os chuvosos são os raios e as
trovoadas.
Os primeiros, pelo que, com
suas chispas, lhes apagam as velas
fazendo-os perder os
chuvinhas de vista...

... as segundas, as trovoadas,
pelo que, irromprendo sem que
ninguém espere, e demorando-se
no céu igual que cordilheiras
implodidas no coração do
vento, esmagam o chuvoso,
dona chuvosa e todos os chuvinhas...

... os quais, mais achatados que
uma pizza, pastéis
esborracham-se no assoalho,
ovos estralados.

Os chuvosos têm muita raiva
dos raios e dos trovões.



O mais lindo nesta história,
contudo, é o dia em que os
Chuvosos sobre a Terra caem...

múltiplos, gasosos,
incessantes, transformados na
névoa que deste lado se vê e
que, feito um encanto, coroa os
postes das madrugadas
bêbadas de neblina...

... e vai pelas frestas das
janelas e sobe à copa do
velho pinheiro e ali fica, halo
gentil que a noite abriga, até
que o primeiro sol da manhã
a dissolva...

numa festa de luz e passarinho.

Wilson Bueno, "Os Chuvosos". São Paulo: Lumme Editor, 2006.

Ilustrações: Colagens de Adriana Peliano sobre desenhos de Francisco dos Santos e fotos de fogos de artifício.

11 de dez. de 2009

( )





pegadasna



ou um pequeno buscador das tardes (melancólicas) da floresta...



Wilson Bueno, idade variável, escritor.


7 de dez. de 2009

Doralice


oralice é um ser inigualável: bruxa e fada numa só. Não é do país das maravilhas, mas adora Alice, seu modelo de menina e moça. Nasceu assim, desse jeito indefinido, nem lá nem cá, imprevisível. Por isso mesmo se mantinha escondida em si mesma a bela junto com a fera, ninguém sabia, nem seus país e irmãos. Sua família de fadas e fados, todos portugueses de Trás os Montes, ou detrás deles ou trazendo-os para ficar bem alto, longe da planície. Ela descobriu isto no dia que foi fazer a 1ª comunhão e a hóstia fugiu-lhe da boca e foi parar no chão, ela tentou abocanhá-la novamente, mas não teve jeito. O jeito foi transformá-la numa aranha peçonhenta, que ela saboreou-a com prazer e gosto. Pensou: melhor ficar quieta e não contar para ninguém, assim vou sendo uma e outra quanto melhor eu me sentir. E foi vivendo assim vestida de fada e sendo bruxa também. Às vezes se via fada, outras bruxa, fazia coisas do bem quando o sangue lhe corria calmo nas veias e fazia coisas do mal quando o coração quase lhe saía pela boca. Até o dia em que encontrou Ali Cê, fado descendente das Arábias, aliás um encantamento súbito, inescapável e definitivo das arábias! Quase saído de uma lâmpada mágica. Ele um gajo divino maravilhoso, ela a fina flor da flor mais fina das redondezas. Não teve jeito, seu coração batia-lhe no peito e onde mais fosse chamando sua atenção para o inevitável: seu coração queria ir ter ao coração dele de uma vez por todas. De uma vez por todas, portanto, o encantamento desceu-lhe às faces, ao coração, ao corpo e ela teve de correr aos braços de Ali Cê e neles ficar desfrutando o enlace. Ele nem se fala, ali Ali Cê se, se entregou. Encontro fadado às fadas e fados somente. Encontro marcado por coisas de contos de fadas. Mas a bruxa dentro dela disse: Alto lá donzela e a madame aqui como fica? E fica? Doralice repentinamente se deu conta que sua conta a pagar ao romance seria enorme se ficasse fada e bruxa, ou melhor bruxa e fada. Não podia se fazer de uma e outra na mesma freqüência que fazia. O que fazer? Não podia revelar o segredo a ninguém, nem mesmo a Leo, seu camaleão de estimação. Pensou, pensou, pensou. Foi para lá, veio para cá, parou, sentou-se, levantou-se e voltou a fazer tudo de novo. Horas e horas, dias e dias, mesmo quando se via nos braços de seu encantado. Sua alma gêmea, no entanto, o seu espelho Lis, que sabia de tudo e nunca disse a ninguém tampouco a ela, esperou chegar-lhe à frente e revelou-lhe o segredo dela que era também segredo de Doralice: eu sei de tudo e sei o que você deve fazer. Decida ser fada de vez! Somente cabe a você fazer isto, para tanto você deve ter uma ajudazinha de uma dose da infusão fantástica – lascas de brotoejas, cataporas, verrugas e uma boa dose de cuspe. Ela lhe mantém fada, mas deixa a bruxa amansada em você. Assim, quando você precisar, traga a bruxa de volta, use e abuse dela e volte a ser novamente a fada encantada e cheia de amor para dar! Assim fez Doralice para viver feliz para todo o sempre ao lado de seu amado! O que não é muito diferente do que a maioria das humanas deve fazer para deixarem de freqüentar divãs de analistas, terreiros, cartomantes, rezadeiras e novenas!

José Carlos Peliano, 61 anos, escritor.