24 de mai. de 2009
O Super - anjo
uando tinha 12 ou 13 anos sonhava sempre com meu anjo da guarda, meu primeiro amor. Sempre tive uma relação com os sonhos diferente, me pareciam reais em outra dimensão ou espaço. Tenho sonhos recorrentes, que continuam ou se repetem com o tempo, acrescentando ou alterando situações. Desde criança domava os sonhos vez ou outra, conseguia pará-los, mudar o cenário, a situação, ou acordar (deveria me suicidar no sonho para passar pra outro ou acordar). Às vezes meu sonho me enganava e eu sonhava que estava acordada, mas logo percebia que o quarto estava diferente e tentava novamente acordar. Nunca dissociei muito bem realidade e ficção, minha percepção do mundo é fantasiosa e fabulosa.
De repente, percebi que em momentos em que eu me via em apuros, um garoto aparecia e me salvava, sem me tocar. Ele era formado de outra coisa, diferente dos demais. Diferente também dos mortos, que nos meus sonhos, conseguia separá-los dos vivos - pois conversávamos por telepatia ao invés de usar a voz ou os movimentos da boca.
O garoto simplesmente aparecia e me salvava de monstros, acidentes, perseguições, do escuro, da floresta, da violência da cidade... e desaparecia rapidamente assim que eu estivesse a salvo. Não conseguia me aproximar, era tão rápido que nunca conversamos. Acordava e suspirava lembrando-me de suas feições, mesmo sabendo que estas feições eu havia inventado, que sua forma física eu havia idealizado. Sabia também que cuidar de mim era o trabalho dele, mas adolescentes não sabem que não se deve misturar a vida profissional e a pessoal, mesmo metafisicamente.
E foi assim durante um longo tempo – um romance delicioso, que preenchia todas as aspirações na vida real. Era mágico, contraventor, tinha aventura, bons personagens e figurinos maravilhosos, ritmo e a sensação de ser único e especial – como todos os amores.
No decorrer dos dias e meses eu vivia apenas para esperar a noite, para dormir. Sabia que ele era o meu anjo da guarda verdadeiro, mas que eu conseguia ver apenas nos sonhos. Dentro deles comecei a me aventurar mais, me arriscar, me colocar em apuros... ele sempre aparecia, com muita eficiência, resolvia tudo e desaparecia. Isto se tornou recorrente e desesperador, esperar a noite, esperar o sonho em que ele apareceria. Ficava aguardando o sono, que vinha conturbado e estava sempre aflita quando o dia começava a chegar.
Fiquei perdidamente apaixonada pelo meu anjo da guarda. Havia alegria pelo encantamento da relação e um pouco de tristeza perante sua impossibilidade. Assim me jogava na frente de carros, me deparava com abismos, aproximava-me de monstros e do medo, da morte. Começava a me distanciar dos amigos durante o dia, na varanda da minha casa aguardava o final da tarde e o começo da noite, sonhando acordada com os sonhos dormindo.
Até que a situação ficou desgastada, perigosa. Forças que controlam as coisas começavam a se preocupar e resolveram intervir. Eu estava desafiando demais o que já estava estabelecido, eu não poderia viver nestes dois mundos, então onde este romance iria acontecer? Gostava da minha vida mas gostava tanto dele, queria beijá-lo, abraçá-lo - apenas desejava esse momento sem pensar como poderia acontecer.
E foi assim que um dia, Deus nos concedeu um encontro. Era um não-lugar, um buraco no tempo e espaço, com muita luz e amplidão. Lá estava ele – e eu. Ele me olhou nos olhos e me abraçou, disse que me amava - não da forma como eu entendia como amor ou gostaria que fosse. Disse que gostava muito de ficar comigo (ser meu anjo da guarda) mais que aquela situação havia chegado ao limite: Ele não ficaria mais comigo e Deus enviaria outro anjo em seu lugar.
Chorei, chorei muito, abraçada a ele. Fiquei arrasada e com a fúria insolente dos adolescentes, não quis entender a situação. Voltei a Deus (nos meus sonhos converso com o nada – que é ele) e gritei com muita dor. Disse que - já que não poderia amar e ser amada por aquele anjo - não gostaria de saber quem seria o substituto e nunca mais gostaria de sonhar com isto. Eu e o anjo nos despedimos, acordei aos prantos.
E foi o que aconteceu...
Juliana Freire, 28 anos, artista plástica e galerista.
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