14 de mai. de 2009

Como vocês podem ver



uando eu tinha 5 anos, tive o mesmo sonho duas vezes. Bem, quase o mesmo sonho. Eu vivia num pais frio, com neve, tinha dois narizes e um fusca azul e caminhava por uma cidade que nevava até que atravessei o espelho e fui parar numa floresta espessa. Até aí os dois sonhos se repetiram. No primeiro sonho segui o caminho da floresta. No segundo sonho segui o caminho da lagoa, como sugeriu a mãe da Chapeuzinho Vermelho. Achei que nunca saberia aonde levariam esses dois caminhos e por duas vezes acordei na encruzilhada.

Na última vez que fui a Paris, no último dia fomos a um restaurante muito antigo todo decorado com pinturas de um mundo distante. Foi quando eu vi uma imagem que instantaneamente me reportou aos meus sonhos de criança e me revelou aonde iam dar os dois caminhos. O primeiro caminho levava até a choupana nas margens do lago, e ao fundo se avistavam montanhas nevadas e um majestoso castelo que só poderia ser alcançado pelo caminho da floresta.

No início do ano eu comprei meu apartamento após um tempestuoso e exaustivo percurso. O tempo todo me confrontava com palácios e choupanas. Depois das reformas, já em vias de me mudar de fato, ocupei o paço das artes e resolvi então construir uma casinha branca, como a casinha da floresta da fada azul do Pinóquio, dentro do castelo. Eu pedia mapas aos visitantes, propunha trocas às crianças. A questão é que dessa vez eu decidi que não queria escolher entre esse ou aquele caminho, pois se no sonho eu tinha dois narizes, esse era um sinal de que eu podia reunir as duas soluções num só lugar.

Como vocês podem ver
é um vídeo produzido durante a Ocupação do Paço das Artes em agosto de 2005. A instalação foi desenvolvida diante do público, num exercício constante de exposição do processo criativo, do precário e do inacabado. Resolvi acampar provisoriamente no museu, transportando cerca de três caminhões de objetos pessoais para o espaço da ocupação. Comecei a trabalhar com esses objetos criando territórios imaginários nômades e movediços, num jogo de deslocamentos e apropriações.

Criei então uma floresta onde os sentidos se embaralhavam. Nesse mundo era preciso ter a coragem de arriscar um pensamento selvagem de bricoleur, sempre alerta para desmontar os quebra-cabeças da linguagem. No final, quando eu estava empacotando tudo, essa atividade se transformou espontaneamente num laboratório de sonhos e fábulas. Coloquei para tocar alguns disquinhos de contos de fadas que eu tinha comigo e interagi com as estórias de forma improvisada e imprevisível. Tomava coisas quebradas, usadas, inapropriadas para dar lhes outros usos e criar novos mundos.

Uma nova instalação foi criada na Galeria Emma Thomas para abrigar o vídeo performance do Paço das Artes.[2007]

“...eu sei quem eu era quando me levantei hoje pela manhã mas já me transformei muitas vezes desde então...” Alice do país das Maravilhas

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