28 de set. de 2009

Três Histórias



o final da vida Charles Dickens confessou que Chapeuzinho Vermelho foi seu primeiro amor: “Eu sentia que se eu tivesse me casado com Chapeuzinho Vermelho, teria encontrado a felicidade”.


Angela Carter relembra seu primeiro encontro com a Chapeuzinho Vermelho de Charles Perrault: “Minha avó costumava dizer: ‘levante a trava e então entre e para concluir, quando o lobo pulava em cima da Chapeuzinho Vermelho, minha avó fingia que iria me comer, o que me fazia vibrar de prazer.” A avó de Carter vira o jogo da versão popular do conto em que a neta come a carne e bebe o sangue da avó. O depoimento de Carter sobre sua experiência com Chapeuzinho Vermelho mostra que o conto se trata da rivalidade entre gerações além de revelar como o sentido da história se faz quando ela é contada. A cena em que uma história é lida ou contada pode afetar a sua audiência de forma mais poderosa do que suas morais e verdades atemporais incorporadas no texto por Perrault, Grimm e outros.


A experiência infantil de Luciano Pavarotti foi muito diferente da de Carter:

Na minha casa, quando eu era um menino, era o meu avô que contava as histórias. Ele era maravilhoso. Ele contava histórias violentas e misteriosas que me encantavam. Minha história favorita era Chapeuzinho Vermelho. Eu tinha os mesmos medos que ela. Eu não queria morrer, embora não soubesse ao certo o que fosse a morte. Eu esperava ansiosamente pela chegada do caçador.

A morte de Chapeuzinho Vermelho não é engraçada ou erótica. Ao contrário, é um espaço de violência, drama e mistério. A mistura de medo e encantamento captura o fascínio que atrai as crianças. Pavarotti, como Dickens, é apaixonado pela Chapeuzinho Vermelho, mas o que o atrai é a capacidade de Chapeuzinho de sobreviver à morte e ressurgir da barriga do lobo, desafiando a morte.


The Classic Fairy Tales. Edited by Maria Tatar. New York: A Norton critical edition, 1999.

25 de set. de 2009

Out of old tales



et us agree on this: that we live our lives through texts. These may be read, or chanted, or experienced eletronically, or come to us, like the murmurings of our mothers, telling us of what conventions demand. Whatever their form or medium, these stories are what have formed us all, they are what we must to make our new fictions.
...Out of old tales, we must make new lives.


Carolyn Heilbrun in. The Classic Fairy Tales. Edited by Maria Tatar. New York: A Norton critical edition, 1999.

23 de set. de 2009

Bruxeta e Bruchanel


ruxeta, malemolente, dengosa, insinuante, é chamada por Bruchanel com urgência. Bruchanel trajando um modelito do estilista mais nojento do pedaço, um longo preto com babados de abóboras, rendas de teias de aranha e um decote com cortes de peixe espada, elegantérrima, diz a Bruxeta: vá e dê uma poção desastrosa para Alice, que deve estar no País das Maravilhas, transforme-a na apresentadora de TV mais inoportuna que você já tenha tido notícia! Chega de maravilhas o tempo todo, ela não pode e não deve ser mais que eu que vivo nas maravilhas das trevas, de bruxarias em bruxarias insuperáveis, e nunca sou lembrada por ninguém, somente nos contos das outras, das fadinhas de nada, quando então sou morta ou transformada em sapo fedorento ou confinada em estátua sem qualquer charme ou roupa de grife! Bruxeta vai mas volta logo.Bruchanel irritadíssima pergunta o que aconteceu e a esquentadinha responde: olhe, fui e quando deparei a casa toda desarrumada vi que era a Gata Borralheira, mas sem antes verificar que ela estava dormindo como a Bela Adormecida e, como estamos no inverno, totalmente pálida como a Branca de Neve. Afinal, fiquei sem saber quem ela era e vim me certificar com você! Bruchanel totalmente tresloucada de raiva num golpe inolvidável transforma Bruxeta no bicho peçonhento que ela mais detestava: uma imensa hidra gosmenta. Não deu outra, a hidra antes molhadinha e agora gosmenta se chateia como nunca dantes navegara, se explode de brucharia e avança de repente, abre as pernas, ou melhor, os tentáculos, e se apodera de Bruchanel, devorando-a inteira com um prazer exponencial. Ficaram as duas brigando uma com a outra, uma dentro da outra, se uma bruxa sozinha já é um desassossego, duas então numa só um destempero incalculável. Uma queria ir para um lado, a outra para o outro, uma queria ir ao banheiro, a outra à cozinha, uma dormir, a outra esfriar a periquita. Ficaram as duas nesta situação pelos séculos dos séculos para alívio das fadas, duendes e a comunidade das santas e santos do mundo afora. Moral da estória se é que estória tem moral: em bruxarias, não deixe outra bruxa se meter, se não o feitiço acaba com a estória!.


José Carlos Peliano, escritor.

22 de set. de 2009

Os lobos de hoje


u penso que nos dias de hoje o lobo está solto, são as pessoas que roubam crianças recém nascidas, sequestram, matam, seduzem. Os pedófilos que vêem nas crianças objetos de desejo e ditam as regras falando o que as pobrezinhas querem ouvir.O fato da chapeuzinho ir sozinha nos faz pensar: CADÊ ESSA MÃE? Trabalhando, ou ela vive solta, como tantas crianças. Hoje em dia é tão normal ver uma criança um pouco maior buscar seu irmão na escola, claro que, décadas atrás isso podia ser normal e as mães de hoje viveram na pureza de andar na rua sem medo, mas hoje o lobo tá solto e pode ser até o velhinho ingênuo que todo dia agrada seu filho. As crianças esclarecidas já tem medo e receio por que foram criadas nesse contexto que o homem do saco existe, que alguém pode fazer mal... mas.... mesmo vivendo nesse mundo violento existem mães que soltam seus filhos, sem dar atenção, sem estarem presentes na vida escolar, deixando-os soltos na floresta. E quando questionadas falam sempre que é falta de tempo. O lobo mau é aquele que tem tempo, que chega, que seduz com bala, doce, palavras de atenção e carinho... As crianças estão perdendo a inocência e ficando cada vez mais carentes de família.

Drika, 37 anos.

Imagem: cartaz do filme "Hard Candy" deDavid Slade.

Fada abafada


fada abafada de tanto ser fada por atender aos inumeráveis pedidos de estórias de fadas, olhou-se no espelho e disse: é foda ser fada! Sou fada para todos que me pedem encantos, empurrõezinho, jeitinhos e outros que tais e madrinha para os meus diletos eleitos, mas não tenho o troco de fada alguma nem sou eleita dileta por ninguém. É tudo uma questão de interesse, necessidade e proveito próprio! Só toma lá; dá cá, nadica de nada! E olhe que sou uma fada fada porque há fada foda! A temida bruxa que desanca o candidato quando quer! Se bem que há foda fada, o que compensa de uma certa maneira os efeitos do trocadilho. Mas voltando ao meu desabafo: nem cantando um fado de fada dá para amenizar o sentimento de ser foda ser fada porque o fado de fada torna a fada enfadada, engarrafada! O jeito é fazer uma magia para rejuvenescer o espírito de fada. Que tal deixar de ser fada para me tornar uma foda de fada, assim eu vivo no gozo e na completa satisfação, mesmo nas interrompidas! Lá vai ... pirlimpimpim! E assim em lugar da fada madrinha surge a madrinha da foda de fada: a modelo deslumbrante e desabafada deslizando seu dom de fada entre os eleitos e diletos nas passarelas!

José Carlos Peliano, poeta e trocadilhista.

20 de set. de 2009

O teatro de bonecos



Do filme Les quatre cents coups
Direção de François Truffaut (1959)

18 de set. de 2009

Comunismo nos contos de fadas



Fanny Abramovich, escritora.

16 de set. de 2009

O dever das histórias



ara que uma história realmente prenda a atenção da criança, deve entretê-la e despertar sua curiosidade. Mas para enriquecer sua vida, deve estimular-lhe a imaginação: ajudá-la a desenvolver seu intelecto e a tornar claras suas emoções; estar harmonizada com suas ansiedades e aspirações; reconhecer plenamente suas dificuldades e, ao mesmo tempo, sugerir soluções para os problemas que a perturbam."

Bruno Bettelheim, “Psicanálise dos Contos de Fadas”.

Lembranças


ão é supreendente descobrir que a psicanálise confirma nosso reconhecimento do lugar importante que os contos de fadas populares alcançaram na vida mental de nossos filhos. Em algumas pessoas, a rememoração de seus contos de fadas favoritos ocupa o lugar de lembranças de sua própria infância; eles transformaram esses contos em lembranças encobridoras."

Sigmund Freud

15 de set. de 2009

My favourite Story


hen I was very young, four or five, my favorite story was “Little Red Riding Hood”: I would ask for it over and over again; protest when my mother would skip a detail in her retelling or change a word; and wear my bright red coat and hat with an air of self-possession. My mother and I did not know at the time that we were reenacting the well-known scene of storytelling, both of us predictably and yet with unintentional effects remaking the tale. I do not recall the ending of this fairy tale as told to me then, but the image of the girl has stayed with me and has taken different forms."

Cristina Bachilega in “Postmodern Fairy Tales: Gender and Narrative Strategies”.

13 de set. de 2009

Livros, desejo e paixão em Clarice Lispector


Ilustração de J. Guillin: Reinações de Narizinho, 1930.

elicidade Clandestina (o livro) foi publicado pela primeira vez em 1971, e reúne 25 contos que tematizam a adolescência, a infância, e a família, sem deixar, em momento algum de se referir as angústias da alma, tal como é próprio da autora. Felicidade Clandestina (o conto) é o primeiro texto da coletânea. Nele Lispector desenvolve a história de uma menina, protagonista e narradora, que vive uma paixão intensa pelos livros, em especial, pelos de Monteiro Lobato.

A narrativa, carregada de pequenas epifanias e mergulhada no estilo intimista característico da autora, gira em torno do desejo, por parte da narradora, de ler o livro As Reinações de Narizinho, e da promessa, por parte de uma colega, de emprestar a obra a ela. A colega não valorizava a leitura, muito menos o privilégio de possuir os mais diversos títulos, e inconscientemente se sentia inferior às outras, sobretudo à “menina devoradora de livros.” Certo dia, a filha do livreiro informou à narradora que podia emprestar-lhe o referido livro, mas que fosse buscá-lo em casa.

A narradora passou a sonhar com o livro. Mal sabia a ingênua menina que a colega queria vingar-se: todos os dias ela passava na casa e o livro não lhe era entregue, sob a alegação de que fora emprestado a outra pessoa. Esse suplício durou muito tempo, até que a mãe da colega cruel interveio na conversa das duas e percebeu a atitude da filha; então, emprestou o livro à sonhadora por tanto tempo quanto desejasse. Neste momento o leitor do conto se surpreende com a atitude da narradora: “Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas depois fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara o livro, achava-o, abria-o por alguns instantes. Criava umas falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade.” (LISPECTOR, 1998, p. 06).

A felicidade clandestina da menina, expressão que intitula o texto e o livro, refere-se ao fato da narradora fazer questão de “esquecer” que estava com o livro para depois ter a “surpresa” de achá-lo. Trata-se da maneira que ela encontrou de deliciar-se lentamente com a posse do livro, além de alastrar, desta maneira, o prazer da espera da “degustação” da leitura. Ao final do conto Lispector sintetiza a paixão da menina pelos livros, e por aquele livro em especial na seguinte expressão: “Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com seu amante.” (LISPECTOR, 1998, p. 06).



Fragmento do texto de Fabiano Tadeu Grazioli, mestre em Estudos Literários e diretor do Teatro de Gaiola.

Acesse o texto completo

9 de set. de 2009

Um mundo sem fadas


“ra uma vez uma menina tímida que passou sua infância ouvindo contos de fadas. Cresci sonhando cor-de-rosa e continuo reverenciando estas histórias tão anacrônicas de princesas lindas e indefesas. Junto com os sonhos, esta mesma tia incutiu em mim uma fervorosa paixão pela narrativa, pelo texto, pelas histórias. Virei jornalista; não deixo, pois, de ser uma contadora de histórias. No livro estão reunidas reflexões sobre meu papel de mulher num mundo sem fadas ou príncipes encantados.”

Kátia Canton, no livro “E o príncipe dançou...” O conto de fadas da Tradição Oral à Dança Contemporânea.
São Paulo: Editora Ática, 1994.

Repertório emocional



sse processo foi narrado no livro de Raimund Hoghes que permaneceu com a companhia de Pina Basch durante os ensaios da peça. Os contos de fadas foram usados como fontes na criação de cenas da peça Barba Azul, empregados para estimular as lembranças e o repertório emocional dos intérpretes. As diversas frases, brotadas das memórias dos intérpretes – de diversos países e formações culturais – recordam vários contos. Apesar disso, todos se referem a clichês que homogeneizaram e mitificaram as histórias:

“Eu sou Cinderela e o sapato serve em mim ... Agora o Imperador tem um rouxinol mecânico mas vou esperar até que ele quebre e cantarei para ele... Sou a Chapeuzinho Vermelho e mal posso esperar para encontrar o lobo na casa da vovó... Já joguei 11 sapatos contra a parede, mas não tinha nenhum príncipe dentro... Sou a bela adormecida e estou dormindo há 99 anos. Espero que algo aconteça logo! Sou Pinóquio e comecei a viver.”



Kátia Canton, no livro “E o príncipe dançou...” O conto de fadas da Tradição Oral à Dança Contemporânea.
São Paulo: Editora Ática, 1994.