19 de jun. de 2009

Ritos primitivos

ueria relatar uma história bastante impressionante e que leva a pensar. Ela retrata o caso de uma menina de dois anos e meio, na sua primeira fase de teimosia, que, quando ela e a mãe faziam compras, recebeu de presente uma ilustração de Chapeuzinho Vermelho e o lobo. Na imagem era visível que o lobo, vestido com a touca e a camisola da avó, esperava Chapeuzinho Vermelho. A menina, que conhecia o conto de fada somente até o encontro do lobo com Chapeuzinho Vermelho no bosque, agora queria saber porque o lobo estava na cama. Ela ouviu atentamente o conhecido diálogo entre o lobo e Chapeuzinho Vermelho. O diálogo precisou ser repetido umas dozes vezes, pelo menos.

Nas noites seguintes a criança dormia muito inquieta e acordava com pavor do lobo mau. Não houve melhor meio para ajudá-la do que procurarem a figura, cortarem o lobo fora dela e o queimarem. Assim a criança ficou mais calma durante a noite, porém durante o dia ela perguntava muitas vezes, interessada, pelo animal. Cada vez era necessário dizer que o lobo tinha sido queimado, que não havia mais lobo nenhum, a não ser bem longe na Rússia.

Umas semanas apos estes fatos o pai da menina queria levá-la a um passeio até o bosque vizinho. A mãe, preocupada, dizia-lhe enquanto a vestia para sair: “Agora você vai com papai ao bosque para ver os coelhinhos engraçadinhos!” Radiante, a menina saiu. Mas na escada da casa encontraram um vizinho idoso que perguntou à menina aonde ela ia. Para surpresa de todos a menina respondeu, bem decidida, sem hesitar: “Ao bosque, para ver o lobo da Ússia”!

É interessante notar como mesmo essa criança sensível procura o encontro com o lobo poderoso e temível, e isso por iniciativa própria. Parece que ela dispõe de forças que a estimulam a buscar esse monstro devorador de crianças e opor-se a ele.

Observamos que essa criança espontaneamente procura um acontecimento que encontramos, em forma cristalizada, nos ritos de iniciação das culturas primitivas. Aparentemente, nesses rituais parte-se do princípio que o amadurecimento só advém por meio do sofrimento, dor e tormento. Um grau de maturidade ulterior só pode ser alcançado apos dissolução do grau anterior. Durante as solenidades introdutórias à puberdade, nas culturas primitivas, ainda se evocam de “fato” no iniciando, e dispõe de uma catálogo para nós incrível, de crueldades. Nas formas mais altas dessas solenidades de iniciação que, como é sabido, podem ir até os processos espirituais mais elevados, eles só se apresentam sob forma simbólica. Suas imagens mostram, porém, inteiramente, o mesmo caráter que conhecemos pelos contos de fadas e ritos primitivos.


Trecho extraído do livro “Contos de fadas vividos” de Hans Dieckmann. São Paulo: Paulinas, 1986.

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