29 de jun. de 2010

Este conto começa assim



ste conto começa assim: já era quase meia-noite quando Yuri finalmente chegou à casa de Baba Yaga. Era sinistra. A casa tinha pés-de-galinha e cheiro de cocô, de galinha. Claro que sua vontade era sair dali correndo, sem nem olhar para trás, e foi exatamente isso que fez logo que a velha, cheia de verruga na cara e de unhas tão compridas que tocavam o chão, abriu a porta.

O menino não pensou duas vezes. Saiu em disparada tomando o caminho de volta, embora soubesse que não voltaria a ser o mesmo nunca mais. “Nunca mais, nunca mais, nunca mais”, dizia ele em voz trêmula enquanto ferrava os pés em gravetos e arbustos e folhas secas e buracos totalmente abstraídos no percurso da ida. A velha também chamou três vezes: “Quem está aí? Quem está aí? Quem está aí?”, e não tardou para vestir suas botas mágicas, cheias de melecas e cascas de feridas, para caçar aquele que certamente teria as carnes tenras e macias como um franguinho de leite.

O menino sabia correr feito lebre, tinha aprendido com o negro da mercearia, mas porque não tinha botas mágicas e, portanto, não podia voar, acabou sendo derrubado pelas enormes unhas da bruxa, tão pretas e cheias de curvas, que lhe causavam nojo e não estranhamento. Naquela hora deveria jogar a toalha mágica do gato para que ali brotasse um lago gigantesco que o separaria de Baba Yaga por alguns instantes, até que sua bruxaria fizesse surgir milhares de bois que sorvessem as águas num piscar de olhos, e viesse o corvo e o recado para o menino correr ainda mais, e então lhe atiraria o pente mágico da empregada de onde nasceria uma floresta cheia de galhos espinhudos que atravessassem o corpo da megera em pleno movimento, e Yuri chegasse a sua vila como o único menino russo a enfrentar a terrível Baba Yaga sem perder a vida.

Mas Yuri não chegou a entrar na casa da nefasta, não seduziu a empregada, não subornou o gato, não ganhou o pente, não comprou a toalha, e acabou na frigideira, depois de muito bem asseado pela primeira e já sem os olhos arrancados pelo segundo. Assim termina o conto: do jeitinho que a bruxa sempre desejou.

Alexandra Pericão

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