31 de mai. de 2010

Todo mundo tem um pouco de Alice


uitas pessoas tiveram infância.

Antigamente, computador, telefone e videogame era coisa de "gente rica", logo, a infância pode ser resumida a infância de verdade. Pião, fliperama, pipa, futebol até de noite, vôlei, pega-pega, esconde-esconde, muito gelinho da tia da esquina (aos cariocas de plantão, sorry, mas são termos paulistas ok?), jogos de tabuleiro, lego, bonecas, pega vareta, roda, passar anel, pular corda, bolinha de gude, batata quente, queimada, bambolê... Inúmeras brincadeiras que se hoje chegarmos aos nossos sobrinhos eles olharão com cara de deboche e/ou não tirarão os olhos da tela do computador e/ou televisão...

Os tempos mudaram. Os tempos são outros. Viramos relíquias vivas. Somos testemunhas de um passado maravilhoso em que a infância era realmente vivida e não um simples passo para a adolescência e em seguida para a vida adulta.



Não tínhamos tantas preocupações, mas a grande maioria ao chegar nos seus 15/16 anos já começavam a se preocupar com o futuro. Arrumar emprego, abandonar uma época tão preciosa em prol do amadurecimento e enfim, ser gente grande como dizem por aí.
E ser gente grande não é tarefa fácil. É uma transição delicada que requer muita paciência, coragem e força de vontade. É você dizer adeus a quem você era e ser uma nova pessoa, carregando consigo todas as suas experiências (como por exemplo, seu dedo queimado após tocar no ferro quente ao ouvir sua mãe dizer "NÃO TOQUE AÍ" e etc) e trazendo na bagagem inúmeras lembranças.



No fim das contas, todos nós temos um pouco de Alice. Sim, a tal da Alice do Lewis Carroll e agora do Tim Burton. E eu vou tentar explicar o porque.

Quem leu o livro Alice no País das Maravilhas sabe que aquele mundo é a coisa mais louca já inventada. Chapeleiro Maluco? Rainha que manda cortar as cabeças? Coelhos que falam?

Bolos que fazem com que tu tenha mais de 2 metros de altura e bebidas misteriosas que te encolhem e te deixam do tamanho de um grão de arroz?



Sim, é um mundo louco. Mas se pararmos pra pensar, nós vivíamos em um mundo parecido. Obviamente não víamos coelhos falantes por aí (se alguém já viu, perdoe-me pela gafe, ok?), mas nós e a Alice tínhamos algo em comum: o medo do mundo adulto.

Um trechinho do livro para exemplificar o que quero dizer:

"(...) Nesse exato momento, Alice sentiu uma sensação estranha que a deixou intrigada até descobrir o que era: ela estava começando a crescer novamente. Primeiro pensou que deveria se levantar e sair do tribunal. Mas depois decidiu permanecer onde estava, enquanto houvesse espaço suficiente para ela.
- Pare de me apertar! - pediu o Esquilo, que estava sentado ao lado dela. - Eu mal posso respirar.
- Não posso evitar - desculpou-se Alice humildemente: - Estou crescendo.
- Você não tem permissão para crescer aqui dentro.
- Não digas besteiras - disse Alice, ousadamente. - Não sabe que também está crescendo?
- É, mas cresço num ritmo moderado - explicou o Esquilo. - E não dessa maneira escandalosa..."
p.125



Acredito que todos nós já passamos por uma situação parecida. Começamos a crescer e não podemos parar, controlar ou deixar isso pra depois. No caso de Alice, ela comeu o tal bolo que no contexto da história faz sentido, mas na vida real, todos nós comemos um pedaço de bolo a cada dia. O bolo às vezes é gostoso, azedo, amargo, doce demais, pouco doce, neutro... Esse bolo é o nosso amadurecimento em relação aos acontecimentos do dia-a-dia. É o nosso crescimento e amadurecimento como pessoa.



E deve ser por isso que muitas pessoas detestaram o filme do Tim Burton. Não encararam a Alice como uma menina em transição para a vida adulta e que estava com muitas dúvidas e medos. A primeira cena em que ela aparece sem o espartilho já é um sinal de que a coisa está caminhando para outro lado. Depois de muita dança e muitas fofocas, Alice sai correndo assim que o feioso-mor a pede em casamento, deixando todo mundo de boca aberta. Isso meio que comprova que ela não está pronta para o "próximo passo" que é o de entrar na vida adulta.



Logo no fim em que ela aparece negando o pedido de casamento e fazendo a dança do Chapeleiro Maluco é a confirmação de que ela chegou enfim a idade adulta e que o espírito infantil ainda está vivo, talvez por causa do seu mundo que ela teve que deixar para trás. O mundo de Alice era a sua infância mal terminada e que finalmente conseguiu fechar com chave de ouro.



Tomar certas decisões que modifiquem o seu futuro só pode ser coisa de "gente grande". E todos nós já passamos e continuamos passando por isso. Todos nós temos medo de dar o próximo passo, mas a escada é grande demais para empacar no meio do caminho. É preciso seguir em frente mesmo que isso custe deixar certas coisas para trás...

"(...) - Por que não adianta nada voltar ao dia de ontem... Eu era uma pessoa diferente, sabe?" p.116

A cada dia é um novo recomeço. O amadurecimento é constante e cabe a nós não deixar a nossa Alice interna morrer. E cabe a nós fazer com que o futuro dos nossos filhos/sobrinhos/netos/bisnetos não se resuma a apenas uma infância superficial regada a jogos cheios de sangue, televisão e internet 24 horas e afins...



Devemos mostrar a eles o mundo de Alice, mesmo que o Coelho falante seja assustador em certos casos e o Chapeleiro seja tão maluco quanto nós. Devemos ter em mente que a vida é um suspiro e que todos nós somos ganhadores da loteria da vida. Por mais que tudo esteja diferente, não devemos deixar o nosso espírito infantil morrer, mesmo que tenhamos que entrar em buracos misteriosos para recuperá-lo.



Leia esse e outros textos da Erika no seu blog HAPINESS IS THE ROAD AQUI

Erika Piffer

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